Luxação e Instabilidade da Patela
O que é a instabilidade femoropatelar?
A instabilidade patelar, por definição, é uma condição em que o osso da patela luxa, ou seja, se desloca de forma patológica da articulação femoropatelar.
Deslocamento lateral da patela, retirado do site da American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS).
A luxação traumática aguda da patela é a segunda causa mais frequente de hemartrose traumática do joelho (sangue na articulação), só perde para a ruptura do ligamento cruzado anterior, e é responsável por até 3% de todas as lesões traumáticas do joelho.
Geralmente ocorre em trauma direto ou trauma torcional durante atividade física e esportiva. Em dois terços dos casos, ocorre em pacientes jovens, ativos e com menos de 20 anos de idade.
Pode ter consequências a longo prazo: instabilidade de origem patelar, dor, luxação recorrente e artrose patelofemoral.
Vídeo do nosso canal no YouTube mostrando uma luxação recidivante de patela
Sintomas
Na maioria dos casos, a luxação patelar costuma se resolver espontaneamente, isto significa que apenas 20% dos pacientes requerem manobras de redução da luxação persistente. O diagnóstico costuma ser fácil de ser realizado, pois o paciente procura atendimento com muita dor, com deformidade pela luxação lateral da patela e pode haver contratura em flexão para alívio.
Em caso de hemartrose volumosa, pode-se realizar artrocentese de alívio (punção articular) para o controle da dor e para facilitar o exame clínico e radiológico.
A manobra de redução é realizada com o joelho sendo levado à extensão completa e realizando-se pressão na borda lateral da patela, com força medializadora para recolocá-la na tróclea femoral.
Patela luxada lateralmente
Em casos em que após a luxação e tratamento inicial o paciente permanece com recidiva da instabilidade, dizemos que há uma luxação recidivante.
Etiologia
O mecanismo patológico da instabilidade patelofemoral é complexo e muitas vezes multifatorial. Podemos citar os principais fatores predisponentes:
- As displasias troclear e patelar
- Patela alta
- Síndromes de mau alinhamento (deformidade em valgo, rotação externa tibial aumentada, rotação interna femoral aumentada e anteversão da cabeça femoral)
- Hiperfrouxidão ligamentar
- Sexo feminino
- História familiar de instabilidade femoropatelar
O ligamento patelofemoral medial (LPFM) é um importante estabilizador estático da patela e tem função muito importante na prevenção da luxação lateral da patela. Ele pode fornecer de 50 a 80% da estabilidade mecânica medial, impedindo o deslocamento lateral da patela. Ele se origina na borda interna da patela e sua inserção femoral se dá na borda medial do côndilo medial.
O LPFM conecta a borda interna da patela ao condilo femoral medial.
O músculo vasto medial oblíquo (VMO) é considerado um estabilizador dinâmico e está intimamente relacionado ao LPFM. É importante no processo do tratamento conservador e na reabilitação.
Imagem retirada de Trigkas, P. (2013). Vastus medialis oblique : vastus lateralis muscle imbalance in patellofemoral pain syndrome (PFPS) patients.
A tróclea femoral é a porção do fêmur onde a patela se encaixa durante a flexão do joelho (quando ele “dobra”). Ela fornece estabilidade óssea para a articulação femoropatelar. Em alguns pacientes, pode ocorrer a chamada displasia da tróclea, ou seja, ela é mais rasa do que o habitual. Pessoas que apresentam a tróclea displásica possuem menor estabilidade na articulação entre a patela e o fêmur e a patela pode se deslocar facilmente.
As setas vermelhas em A, B e C representam, respectivamente, uma tróclea normal, uma tróclea rasa e uma tróclea displásica. A partir de B e C, vemos que não há um sulco com profundidade necessária para o engate adequado da patela.
A altura patelar é um importante fator para avaliar o momento em que ocorre o encaixe da patela na tróclea. Em pacientes que possuem patela alta, o contato entre os dois ossos acontece em graus maiores de flexão, deixando a patela maior tempo em posição com baixa contenção óssea, que favorecem a sua luxação.
A altura patelar é um marcador importante de avaliação. As radiografias evidenciam diferentes alturas patelares: normal à esquerda e alta à direita. Fonte: arquivo pessoal.
A lateralização da tuberosidade anterior da tíbia é uma das maneiras que temos para avaliar pacientes que estão sob maior risco de luxação femoropatelar , principalmente por um aumento do ângulo formado pelo aparelho extensor , que acarretaria maior chance de luxação lateral da patela.
Diagnóstico
O exame físico meticuloso do joelho e das articulações adjacentes é obrigatório para descrever e entender todas as causas subjacentes da instabilidade patelofemoral.
Manobra para avaliar o aumento da mobilidade patelar
Testes clínicos e sinais morfológicos importantes são:
- Mobilidade passiva patelar medial e lateral;
- Teste de inclinação patelar
- Teste de apreensão patelar
- Sinal J para detecção de desvio patelofemoral próximo à extensão total em movimento em cadeia aberta
- Avaliação dos eixos rotacionais do membro inferior
- Hipotrofia muscular.
Radiografia de ambas as patelas, mostrando luxação à direita. Caso cortesia da Dra Aditya Shetty, Radiopaedia.org.
Classificação de Dejour sobre as deformidades da tróclea femoral. O sinal de cruzamento do sulco troclear e do côndilo femoral lateral, o do duplo contorno (sinal de hipoplasia do côndilo femoral medial) e o esporão troclear – em diferentes combinações com RNM axial resulta em displasia troclear tipo A a D de acordo com Dejour. Fonte: Hamard et al. Sport and Exercise Medicine Switzerland, 2020.
Outro índice medido rotineiramente é a altura patelar, utilizando o índice de Caton-Deschamps ou a razão de Insall-Salvati, com base em radiografias simples estritamente laterais.
Índices de altura patelar mais utilizados: A- Caton-Deschamps, B-Blackburne-Pell e C-Insall-Salvatti. Woodmass et al. Orthopaedic Journal of Sports Medicine.
A distância do sulco troclear do tubérculo tibial (TT-TG) é medido em tomografias axiais e, alternativamente, em imagens axiais de RM também. O aumento deste valor indica uma lateralização do mecanismo extensor, fato que facilitaria a luxação.
Imagem da tomografia evidenciando a forma de cálculo da TAGT: sobreposição de cortes tomográficos e o cálculo da distância entre os 2 pontos.
Tratamento
A abordagem conservadora tem sido preconizada na maioria dos casos, com resultados variados em termos de resultados funcionais e taxas de luxação recidivante.
A reabilitação após luxação patelar busca controlar o quadro inflamatório e álgico, restaurar a amplitude normal de movimento do joelho (flexão e extensão completas) e reforçar o quadríceps para restaurar o equilíbrio patelar dinâmico. O músculo vasto medial é um dos elementos em que há necessidade de um maior foco na reabilitação, além dos trabalhos de propriocepção.
Exercícios para fortalecimento do vasto medial.
O tratamento cirúrgico é praticamente mandatório na presença de deslocamento patelar grave ou de fragmentos osteocondrais. Seus resultados apresentam menores taxas de luxação patelar recidivante, quando comparado ao tratamento conservador.
Os procedimentos para tratar a instabilidade patelofemoral podem ser divididos entre aqueles que atuam em tecidos moles e outros que corrigem as alterações ósseas
Existem uma infinidade de técnicas descritas para correção da luxação da patela, entretanto as mais comuns são as seguintes:
Reconstrução do Ligamento PateloFemoral Medial (LPFM)
O LPFM é considerado o principal restritor estático da patela para previnir a luxação lateral. Atualmente, a reconstrução deste ligamento é realizada em todas as cirurgias para tratamento da instabilidade patelofemoral. É utilizado um dos tendões isquiotibias que temos na perna, conforme já descrito na técnica de retirada de enxertos no ligamento cruzado anterior.
Técnica que utilizamos para a reconstrução do ligamento. O ligamento é fixado com 2 ancoras na patela e 1 parafuso bioabsorvível no fêmur. Fonte: Insall and Scott, Surgery of The Knee, 5th Edition
O enxerto do tendão é preso na patela com 2 âncoras e é utilizado com novo ligamento por essa dupla fita. Fonte: Arquivo pessoal.
Release Lateral da Patela
Liberação das estruturas laterais da patela na parte externa, quando há tensão excessiva, feito por via artroscópica ou aberta.
Técnica aberta de release lateral da patella, realizada em casos de grande retração ou encurtamento destes tecidos. Fonte: Imbergamo etl al. (2020). Management of Fixed Dislocation of the Patella 2020.
Osteotomia da Tuberosidade Anterior da Tíbia (TAT)
São realizados cortes ósseos para realinhar o mecanismo extensor. As osteotomias da tuberosidade mais realizadas são as de medialização (trazer toda inserção do tendão patelar para uma posição mais medial) ou distalização (posicionar o bloco ósseo mais longe do joelho, para tratar a patela alta). Em alguns casos, pode ser feita uma técnica que combine as duas mudanças da posição do aparelho extensor.
Osteotomia de anteromedialização da tuberosidade anterior da tíbia. Fonte: Imbergamo etl al. Management of Fixed Dislocation of the Patella. 2020.
Paciente submetida à osteotomia da tuberosidade anterior da tibia para medialização, além da reconstrução do ligamento patelofemoral medial. Radiografia pós-operatória com 02 meses de evolução, já evidenciando sinais de consolidação parcial da tíbia. Fonte: arquivo pessoal.
Trocleoplastia
O sulco em que a patela se apoia no fêmur é conhecido como Tróclea. Em casos de displasia troclear, isto é, alteração do formato normal, pode-se corrigi-la através da trocleoplastia.
Imagens referentes às técnicas de trocleoplastia. Em A e B temos técnica de trocleoplastia para aprofundamento do sulco troclear. À direita, temos técnica de elevação de faceta lateral.
Pós-Operatório
A reabilitação da instabilidade de patela é muito individualizada, uma vez que existem diversas causas e técnicas cirúrgicas para o tratamento.
O objetivo principal entre elas é restabelecer o ganho de amplitude de movimento, treino de propriocepção e reforço muscular, devendo o fisioterapeuta estar presente em todas elas para auxiliar na reabilitação do paciente.
Referências
- Tsushima T, Tsukada H, Sasaki S, Naraoka T, Yamamoto Y, Tsuda E, Ishibashi Y. Biomechanical analysis of medial patellofemoral ligament reconstruction: FiberTape® with knotless anchors versus a semitendinosus tendon autograft with soft anchors. J Orthop Sci. 2019 Jul;24(4):663-667.
- Imbergamo C, Coene R and Milewski M. Management of Fixed Dislocation of the Patella: Current Concept Review. Journal of the Pediatric Orthopaedic Society of North America, 2(2). 2020.
- Hamard, Marion & Boudabbous, Sana & Tscholl, Philippe. What sports medicine practitioners should know about imaging for femoro-patellar pathologies. Sport and Exercise Medicine Switzerland. 68. 13-19. 2020
- Woodmass, Jarret & Johnson, Nick & Cates, Robert & Krych, Aaron & Stuart, Michael & Dahm, Diane. (2018). Medial Patellofemoral Ligament Reconstruction Reduces Radiographic Measures of Patella Alta in Adults. Orthopaedic Journal of Sports Medicine.
- Insall and Scott. Surgery of The Knee. 5th
- https://radiopaedia.org
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